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Apagão no Texas e lições para o Brasil

fevereiro de 2021

Ou sobre a importância da adequada alocação de incentivos

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Na segunda semana de fevereiro, uma onda de frio recorde causada por um vórtex polar do Ártico[1] gerou aumento não esperado no consumo de eletricidade no Texas. Tal pico pode ser atribuído à demanda por aquecimento doméstico, visto que 60% dos texanos utilizam aquecedores elétricos. Diante do pico de demanda, a tarifa de eletricidade do estado atingiu seu teto de USD 9.000,00/MWh, em comparação com USD 50,00/MWh antes da onda de frio atingir o Texas[2].

Nesse contexto, cerca de 45 GW de capacidade instalada deixaram de estar disponíveis no sistema. O montante equivale a toda a capacidade instalada da Suécia e representa uma queda de cerca de 46% em comparação com o início do inverno.[3] A brusca redução na capacidade do sistema fez a autoridade energética do estado implementar blecautes em série, deixando mais de 4 milhões de americanos sem eletricidade[4]. Apesar da discussão sobre o papel desempenhado pelas renováveis, notadamente eólica, o que se viu foi uma crise sistêmica frente a um evento climático extremo.

Com efeito, apesar do crescimento expressivo da geração eólica nos últimos anos, gás natural, carvão e uma pequena parcela de nuclear ainda são responsáveis por cerca de 80% da geração elétrica do estado (gráfico abaixo). Neste cenário, além de representar apenas cerca de 10% da geração, a fonte eólica teve seu fator de capacidade médio (geração/capacidade) reduzido em apenas 5 p.p. durante a crise (de 19% para 14%), devido ao baixo nível de ventos durante o inverno. No caso da maioria das plantas térmicas a gás, a queda foi de 9 p.p., ao passo que as usinas a carvão tiveram seu fator de capacidade médio reduzido em 13 p.p.[5]. Desta forma, fica evidente que a causa da crise de abastecimento é mais complexa e deve ser atribuída a um conjunto de fatores[6].

Figura 1. Geração elétrica no Texas por fonte de 2010 a 2021. Fonte: EIA 2021; Axios

Figura 2. Geração elétrica por fonte no Texas entre 1 e 15 de fevereiro de 2021. Fonte: IEA 2021

Entre as principais causas apontadas estão a paralisação da produção de petróleo e gás, inclusive por conta do congelamento dos líquidos utilizados para perfuração de poços. A redução expressiva do suprimento tanto para o setor elétrico quanto para refinarias pode ser ilustrada pela queda de 20% na produção de gás no Centro Sul dos EUA[7]. Ainda, alguns especialistas apontam para o alto nível de desregulamentação do mercado de eletricidade texano, que poderia ter baixos critérios de manutenção e pouco poder de influência da agência reguladora Electric Reliability Council of Texas (ERCOT) sobre o nível de preparação dos ativos elétricos para eventos climáticos extremos (conceito chamado de weatherization). Não obstante, o sistema remunera os players pela energia efetivamente gerada e não pela capacidade disponibilizada ao sistema, o que desestimula a manutenção de capacidade extra para momentos de pico de demanda[8].  Por fim, o grid texano isolado e com pouquíssima conexão com outros estados (apenas 2% da capacidade instalada é conectada com outros estados) não conta com possibilidade de intercâmbio regional em momentos de pico.

Enquanto as autoridades texanas investigam as efetivas causas e as formas de mitigar uma nova crise, podemos traçar algumas conclusões preliminares e potenciais lições para o sistema energético brasileiro.

Em primeiro lugar, o conceito de flexibilidade tende a se tornar cada vez mais relevante para o grid elétrico, inclusive por conta da maior penetração de novas renováveis intermitentes – como solar e eólica – que requerem geração elétrica de base para firmá-las e desenvolvimento de tecnologias como armazenamento. Tais fontes energéticas de base devem, porém, ser adequadamente remuneradas pela flexibilidade provida, ao mesmo tempo em que eventualmente sejam penalizadas caso deixem de provê-la. Ainda, a valorização e contínuo reforço do SIN faz-se mister como forma de integração regional dentro das fronteiras brasileiras, de modo que regiões possam continuar se complementando e compensando eventuais picos.

Por fim, apesar de não haver consenso científico de que o vórtex polar esteve relacionado às mudanças climáticas[9], o conceito de resiliência e adaptação é chave diante do aumento da frequência e intensidade de eventos climáticos extremos.  Tal preparação inclui o uso de cenários para avaliação da vulnerabilidade dos ativos, investimentos para proteção dos equipamentos de geração de eletricidade (ex.: turbinas eólicas, poços), notadamente em um contexto de maior eletrificação da economia. A segurança energética é crucial para o bem-estar da sociedade e para o crescimento econômico, notadamente em um cenário de mudanças climáticas e – não menos relevante – de maior exposição a riscos cibernéticos.  O planejamento, a operação e a regulação do setor elétrico brasileiro são reconhecidos internacionalmente como alinhado às melhores práticas. Temos todos os instrumentos necessários para, alavancando-nos em nossa diversidade e abundância de recursos energéticos e matriz elétrica altamente renovável, liderar a transição energética por meio de um sistema flexível e resiliente.

 

[1] Climate.gov. On the sudden stratospheric warming and polar vortex of early 2021. 2021

[2] Reuters. Texas power prices spike as deadly cold wave overwhelms grid. 2021

[3] Financial Times. Texans search for answers on dramatic collapse in power supply. 2021

[4] IEA. Severe power cuts in Texas highlight energy security risks related to extreme weather events. 2021

[5] Wood Mackenzie. The Texas energy crisis: its causes and consequences. 2021

[6] Bloomberg. Texas and California Blackouts: A Song of Ice and Fire. 2021

[7] IEA. Severe power cuts in Texas highlight energy security risks related to extreme weather events. 2021

[8] Financial Times. Freezing in Texas: what went wrong? 2021

[9] Down to Earth. Sudden stratospheric warmings: Why cold winters may persist. 2021

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